Ao longo da história islâmica desde sua gênese, mulheres foram importantíssimas no estabelecimento social e político, sendo desde grandes eruditas a rainhas e chefes militares. Desde a Idade Média, estas grandes muçulmanas protagonizaram momentos chave nos acontecimentos não só do mundo islâmico, mas em suas ligações de contexto global. Neste artigo, separam 10 das maiores rainhas da história islâmica da Espanha à Índia e um resumo de suas biografias:

1- Amina de Zazzau

Amina, nome da mãe do Profeta Muhammad, também foi o nome de uma soberana nigeriana que viveu entre no século XVI até o começo do XVII. Uma rainha semi-lendária do povo hauçá, nasceu do rei e da rainha de Zazzau por volta de 1533. Em 1566 seu irmão tornou-se rei de Zazzau, com Amina se destacando como guerreira cavalariça em seu reino. Amina tornou-se rainha de Zazzau após a morte de seu irmão, e prontamente trouxe à tona seu espírito guerreiro: três meses após sua coroação, ela iniciou sucessivas guerras contra os reinos hauçás vizinhos, numa campanha que duraria 34 anos. Seu exército era temido na região, contando com 20 mil infantes e mil cavaleiros. Antes de Amina, os hauçás havia sofrido derrotas humilhantes nas mãos dos vizinhos malineses e fulanis; com Amina, Zazzau atingiu sua maior extensão, englobando boa parte da Nigéria e outras regiões circunvizinhas. Ela nunca se casou ou teve herdeiros e conta-se que por onde passava, tinha um amante, que logo em seguida era morto para que não fofocasse seu caso com a rainha. Todavia, após sua morte, possivelmente em 1610, sua memória não morreu: as mulheres hauçás são orgulhosas desta ancestral e seus feitos são ecoados em cantigas hauçás. [1]

2- Hürrem Sultan

Nascida na Rutênia, hoje Ucrânia, à época era parte do Reino da Polônia, seu pai era um padre ortodoxo ruteno e, na sua juventude, foi capturada por tártaros da Crimeia num ataque tendo em vista a captura de escravos. Levada para Istambul, ela adentrou no Harém Imperial e acabou conquistando o coração do Sultão Suleiman, o Magnífico. Suleiman, quebrando uma tradição otomana de apenas casar-se com estrangeiras de origem nobre, fez dela sua Primeira Esposa e, consequentemente, Chefe-Consorte e ‘Sultana’ do Império. Também chamada de ‘Roxelana’, “A Rutena”, ela se tornou uma das mulheres mais poderosas e influentes da história otomana, sem dúvidas o auge do que ficou conhecido como “O Sultanato das Mulheres”, um período onde as políticas do Império foram dominadas pelas esposas dos Sultões. Hürrem, convertida ao Islã, tornou-se uma fiel e amorosa esposa, tendo seis filhos com ele, incluindo o sucessor de Suleiman, Selim II, sendo a avó de Murad III. [2]

3-Razia Sultana

 Sultan Raziyyat-Ud-Dunya Wa Ud-Din (1205 – 1240) é conhecida por ter sido a primeira governante mulher do subcontinente indiano como um todo e, também, a única Sultana mulher do Sultanato de Délhi. Pertencente à Dinastia Mameluca (não confundir com os Mamelucos do Egito), ela assumiu o trono em 1236 após seu meio-irmão Ruknudin Firoz Shah ser deposto pelos nobres, instigados por ela. Sua sagração foi inicialmente oposta pelos nobres túrquicos do Sultanato, fato que tentou contornar com a criação de uma “nobreza paralela” não-túrquica, o que não deu muito certo. Apesar da oposição, a maioria dos nobre decidiu “tolerar” sua coroação, esperando que ela se tornasse uma títere de seus interesses; não foi o que aconteceu, uma vez que Razia mostrava-se independente e firme na sua posição. Durante seu reinado, xiitas e cármatas se rebelaram contra o Sultanato; a rebelião xiita foi inicialmente controlada sem problemas, mas os cármatas deram mais trabalho: condenando o Sunismo e seus credos Shafi’i, Hanafi e Hanbali, eles adentraram na Mesquita de Jama’a de Délhi e começaram a matar os que lá rezavam, antes de serem contra-atacados pelos cidadãos. Razia foi deposta por um grupo de rebeldes nobres após quatro anos de reinado; ela chegou a casar-se com um dos rebeldes, Ikhtiyarin, mas seu meio-irmão Muizuddin Bahram tomou o poder de assalto e a matou posteriormente. [3]

4- Kösem Sultan

Mais uma das poderosas esposas do “Sultanato das Mulheres”, Kösem, assim como a supracitada Hürrem, também era filha de um padre ortodoxo – desta vez grego – tendo como local de nascimento a ilha de Tinos, então possessão da República de Veneza. Kösem também foi capturada e vendida como escrava na Bósnia antes de ser mandada para o Harém Imperial em Constantinopla. No Harém, tornou-se a concubina favorita do Sultão Ahmed I, casando-se com ele depois. Com o tempo, tornou-se a mais próxima conselheira e também confidente do Sultão, chegando até mesmo a interromper a prática histórica de fratricídio entre os irmãos-reais da Corte Otomana, convencendo Ahmed a poupar a vida de seu meio-irmão Mustafa. Após a morte de Ahmed, Mustafa tornou-se o Sultão com seu apoio; sua influência, no entanto, começou a declinar, especialmente pelo fato de Mustafa ser um governante incompetente. Após a deposição deste último e a ascensão de Osman II, acabou caindo em desfavor e foi brevemente exilada. Osman, no entanto, era um tanto “progressista” demais, e logo foi deposto com a ajuda de Kösem e dos janízaros. Durante seu período de influência, foi a responsável por inúmeros e importantes tratados com a Espanha, Suécia, e por manter correspondências formais com Imperador Jahangir do Império Mogol. Ela ainda permaneceu ativa por muitos anos (e sultões) na política Imperial até ser assassinada, fato esse que causou insurreições dentre a população de Istambul. [4]

5- Shajar al-Dur

De provável origem étnica armênia ou turca, Shajar foi a Sultana do Egito por um curto período de tempo: de 2 de Maio a 30 de Julho de 1250. Anteriormente, ela havia servido como regente após a morte de seu marido, o Sultão As-Salih al-Ayyub em Novembro de 1249, enquanto preparava-se para repelir a invasão europeia da Sétima Cruzada, que terminou com a derrota dos cruzados e a captura de Luís IX , rei da França. Durante o reinado de As-Salih, a falta de soldados leais fê-lo comprar grandes números de escravos kipchaks (um povo de origem túrquica, da Ásia Central) para atuar como soldados e guardas; nesse tempo, junto a sua esposa, esses mamelucos começaram a acumular muito poder. Após o filho de As-Salih, Turanshah, assumir o trono, uma polarização eclodiu entre Shajar e os mamelucos e o Sultão. Turanshah logo foi assinado pelo futuro Sultão Mameluco Baybars (um kipchak) e seus homens. Shajar assumiu o trono, mas não de maneira tranquila: os outros aiúbidas do Levante recusavam-se a reconhecê-la, o que levou-a a travar conflitos armados contra eles, nesse meio casando-se com Izza’al-Din Aybak, que se tornou o Sultão. Seu governo foi marcado principalmente pela sua fusão de arquiteturas: a egípcia com a túrquica. Ela arquitetou e executou a morte de seu marido, fato que, quando descoberto pelos guarda-costas do falecido, fê-los espancá-la até a morte e deixarem-na seminua pelas ruas do Cairo. Sua roupa, encrustada de pérolas, foi roubada de seu corpo, que permaneceu jazendo nas ruas por dias até seu recolhimento e posterior enterro. É considerada a precursora da Dinastia dos Mamelucos. [5]

6- Subh

Subh, Malikat Qurtubah “Subh, Rainha de Córdoba” foi a esposa do Califa Al-Hakam II de Córdoba (961–976) e regente durante a menoridade de seu filho, Hisham II. Nascida em Navarra de uma família basca, com o nome de Aurora, Subh foi capturada e vendida como escrava ao Harém do Califa de Córdoba, tornando-se a concubina favorita de Al-Hakam. Nos últimos anos do reinado de Al-Hakam, ele, cansado, deixou os afazeres do Estado nas mãos de sua então esposa-concubina Subh, que apontou o futuro grande al-Mansur como seu secretário, a quem confiava tão cegamente que logo surgiram rumores, até hoje não-confirmados, de que ele seria seu amante. Após a morte de Al-Hakam, um triunvirato regencial se formou para governar na menoridade do filho de Subh: ela, o general Ghalib al-Nasiri e o próprio al- Mansur. A aliança dos dois funcionou bem até 986, quando começou a se desintegrar: a ambição de al-Mansur pelo poder era implacável. Subh tentou depô-lo e rivalizá-lo, mas foi em vão, e em 998 ele a depôs e assumiu o poder. [6]

7- Zaynab an-Nafzāwiyyah

História é um tanto nebulosa, de origem berbere, Zaynab teve uma carreira ascensória meteórica no mundo da nobreza norte-africana de sua época través do casamento: inicialmente casou-se com um chefe tribal berbere chamado Yusuf ibn Ali, da região de Aghmat, no Marrocos. Depois, casou se com Luqūt al-Maghrāwi, Emir de Aghmat, que morreu em batalha contra os Almorávidas, uma potência militar em ascensão. Zaynab então herdou toda a vasta riqueza de seu falecido marido; com essa riqueza, ela persuadiu o Emir Almorávida Abu Bakr ibn ‘Umar a casar-se com ela. Abu Bakr, que havia começado a construção de Marrakesh, foi então incomodado por uma rebelião no coração do deserto do Saara, à qual partiu com seu exército a fim de reprimi-la, não sem antes divorciar-se de Zaynab e recomedá-la a Yusuf ibn Tashfin. Assim, ela novamente se casou, desta vez com ibn Tashfin, tornando-se dus Emira e conselheira em assuntos políticos e militares. Com a ajuda de Zaynab, Yusuf conseguiu estender seus domínio sobre todo o Maghreb e até mesmo ir para o Al-Andalus. Por causa de sua diligência e influência, muitos dizem que fortaleceu-se dentre os almorávidas – e os berberes no geral – uma cultura mais inclusiva com relação as mulheres, que participavam não-raramente de maneira ativa nos assuntos de Estado dos Almorávidas. A sua data de morte é disputada: uns dizem que faleceu em 1075, outros, em 1117, depois da morte de seu marido. Fato é que seu legado sobreviveu por tempos após. [7]

8- Aisha al-Hourra

Aixa foi um personagem central naqueles que foram os últimos anos e dias do Reino de Granada. Uma membra da Dinastia Nacérida, Aixa casou-se inicialmente com Muhammad XI; porém, após a morte deste, casou-se uma segunda vez com o herdeiro do sucessor de Muhammad, Abu l’Hassan Ali. Aixa foi exilada junto com seus filhos em um palácio após seu marido ficar apaixonado com uma concubina e escrava cristã, Isabel. Aixa, no entanto, se aliou com o partido de oposição ao então Emir Abu Nasr Said, conseguindo então tomar o poder de seu marido e colocar seu filho, Boabdil, como Emir Muhammad XII. Ele seria o último Emir de Granada e o último governante muçulmano em quase um milênio de Al-Andalus.

Mesmo após a derrota dos exércitos granadinos frente a Castela e Argão nos últimos dias do Emirado, Aixa, uma patriota extrema, queria continuar lutando se utilizando de velhos, crianças e mulheres. Ela seguiu seu filho no exílio em 1492 e 1493 após a queda e Granada, uma lenda diz que, após Boabdil olhar seu Reino uma última vez, disse-lhe sua mãe:

“Choras como uma mulher por um reino que não pôde defender como homem.” [8]

9- Arwa al-Sulayhi

Arwā bint Aḥmad ibn Muḥammad ibn Jaʿfar ibn Mūsā aṣ-Ṣulayḥīé sem dúvida uma figura única dentro do Islã: iemenita, ela foi a primaira soberana muçulmana a governar efetiva e independentemente; mais ainda, ela não foi apenas uma soberana dentro do mundo islâmico, mas sim, também, uma liderança religiosa dentro do Islã. Arwa era uma piedosa muçulmana xiita de credo ismailita, uma corrente mística dentro do Islã Xiita, presente em muitos locais do mundo islâmico, incluindo o Iêmen medieval onde Arwa reinou. Arwa foi a primeira mulher dentro do ismailismo a receber o título de Hujjah, que significa “prova” da religião, um título acadêmico-religioso prestigioso. Através deste título, ela se tornou a única soberana na História Islâmica a deter poder temporal e espiritual ao mesmo tempo. Sua carreira política passar por quatro grandes partes: seu casamento com Al-Mukarram Ahmad até a morte de sua sogra, Asma, em 1074. Depois da morte de Asma, Ahmad começou a delegar cada vez mais poder à sua esposa. Após a morte de Ahmad, Arwa tornou-se a Rainha-Mãe de seu filho e herdeiro Abd al-Mustansir. Mustansir veio a falecer em 1097, Arwa tornou-se rainha por direito próprio, sem nenhum homem nominalmente controlando o reino. [9]

10- Sayyida al-Hourra

Cujo nome significa “Senhora Livre e Soberana” era o epíteto de Lalla Aicha bint Ali ibn Rashid al-Alami, a ‘Rainha-Pirata’de Tétouan, no norte do Marrocos. Lalla nasceu no seio de uma família de mouriscos andalusos que se refugiaram no Marrocos após ade Al-Andalus, fato esse que explica sua fluência nas línguas castelhana e portuguesa, além de outras. Quando criança, foi prometida ao futuro governador de Tétouan e foi testemunha das agressivas expansões portuguesas no entorno do Magrebe. Seu marido, então governador, tinha nela uma leal ajudante, a quem confiava a cidade sempre que dela sía. Logo, Sayyida foi feita governadora oficialmente, recebendo seu epíteto al-hourra, tornando-se a Rainha de fato de Tétouan. Em 1541, um fato único na história marroquina ocorreu: pela primeira e única vez, um Sultão – no caso, Ahmed al-Wattasi – saiu de Fez para casar-se em outra cidade, Tétouan, com Sayyida. Apesar de ser legalmente Sultana, Sayyida não deixu o governo da cidade e lá permaneceu. Apesar de tudo, ela no entanto nunca conseguiu esquecer nem perdoar a humilhação de sua fuga forçada de Granada; desejosa de se vingar dos cristãos, especialmente os ibéricos, Sayyida entrou em contato com o famoso corsário otomano Hayreddin Barbarossa e entrou para o mundo da pirataria, encontrando lá um grande e fácil maneira de angariar dinheiro. Saques e sequestros mediante pagamento tornaram-se rotina com a Rainha-Pirata exercendo poder sobre o Mediterrâneo Ocidental. Sua inflexibilidade aliada à sua justiça para com os cativos lhe valeu o temor respeito de seus inimigos cristãos. [10]

Referências Bibliográficas:

  • [1] https://www.changethescript.uk/news/amina-warrior-queen-of-zaria/
  • [2] "Hürrem, Sultan". The Oxford Encyclopedia of Women in World History. Oxford University Press.
  • [3] "In Reality a Man: Sultan Iltutmish, His Daughter, Raziya, and Gender Ambiguity in Thirteenth Century Northern India"- Alyssa Gabai (2011), Brill.
  • [4] Kösem Sultan - "The Debut of Kösem Sultan's Political Career.” Tezcan, Baki (2007).
  • [5] “The Geographic and Social Mobility of Slaves: The Rise of Shajar al-Durr, a Slave-Concubine in 13th-century Egypt.” The Medieval Globe, D. F. Ruggles (2016).
  • [6] "Circular Visions of Fertility and Punishment: Caliphal Ivory Caskets from al-Andalus". Francisco Prado-Vilar (1997).
  • [7] "al-Nafzaouiya, Zaynab". Oxford Research Encyclopedia of African History. Hasna Lebbady; Hiam El Hilali (2020).
  • [8] “Biografías de Mujeres Andaluzas: Aixa” Andalucía Comunidad Cultural, Dolores Mirón, Universidad de Granada.
  • [9] "The Queen was Actually a Man: Arwā Bint Aḥmad and the Politics of Religion". Samer Traboulsi (2003).
  • [10] "Malika VI: Sayyida Al-Hurra". Muslim Heritage (2018).